O fim do livro?

Marcelo Spalding

Você, leitor, que adora folhear um livro, cheirar um livro, apalpar sua capa, apreciá-lo ao lado de outros livros numa bela estante, você que faz anotações de leve com a ponta do lápis, evita dobrar a ponta das páginas, esgarçar as orelhas, você, leitor, acha que o livro pode acabar dentro de dez anos? E dentro de vinte anos? De cinquenta? De cem? E de mil?

Pois é, provavelmente não irá existir esse objeto que tanto amamos, o livro, para sempre. Há mil anos atrás não existia o livro, não com a concepção que temos hoje, então por que acreditar tão apaixonadamente que não chegará, um dia, o fim do livro?

A questão é polêmica, eu sei, e diria que enquanto um de nós, amante de livros, estiver vivo, vivo estará o livro. Mas aos poucos diminuirão o número de livrarias (até porque as que existem estão monopolizando o mercado), de sebos, de bibliotecas, de editoras, de gráficas, assim como hoje os CDs e os filmes fotográficos ainda existem, mas diminuiu muito o mercado em torno deles. E isso trouxe algum prejuízo para os amantes da música ou da fotografia? Não.

Ou seja, caro leitor, se você é amante de livros e não é dono de editora, gráfica ou livraria, provavelmente você seja amante não dos livros, mas das palavras, dos textos, da literatura, do bem imaterial que está dentro dos livros, da alma dos livros. E a literatura, lembre-se, existe a milanos, é muito anterior ao objeto livro, remonta a oralidade, ao teatro grego, aos rapsodos. Não há porque acharmos, então, que ela terminará com o fim do livro.

Verdade que hoje se tem como senso comum que literatura é igual a livro: autores lançam livros, jornais comentam livros, prêmios são entregues a livros e campanhas governamentais de incentivo a leitura compram... livros. Mas há outros espaços para a literatura, desde as paredes das casas até a tela do computador, passando por revistas, jornais, celulares, agendas, janelas de ônibus, etc.

Muitos dirão que nenhuma geringonça tecnológica é melhor do que o livro para a leitura de um Dom Quixote ou Machado de Assis. Que a tela do computador cansa os olhos, que as facilidades da leitura em PDF não compensam o que se perde sem o livro na mão. E é verdade, mas quem disse que a literatura na era digital tem que ser igual a literatura da era industrial, do impresso, do romance? Livro digital não é livro em PDF assim como cinema não é teatro filmado. Aos poucos vão surgir, e já estão surgindo, novos gêneros próprios desse novo meio, textos literários que de alguma forma aproveitam as ferramentas das novas tecnologias para potencializar seu efeito, sua história.

Você irá me perguntar, por fim, se então o surgimento de novas mídias é o motivo da falta de leitura entre os jovens e se o nível de leitura irá aumentar a medida que eles descubram a literatura digital. Não, eu responderei. O computador, a internet, a era digital por si só não formará nenhum leitor, é a educação quem forma leitores, é o investimento em escolas e professores que forma leitores. Sejam eles leitores de livros, sejam eles leitores de textos digitais.

Se essa mudança é boa ou ruim? Se as pessoas vão ler melhor ou pior? Não faço juízo de valor, não me sinto capaz de julgar o que seja bom ou ruim, separar o melhor do pior, mas também não podemos negar que a grande maioria dos livros que são publicados, hoje, não são dignos do nosso quase fetiche pelo objeto livro.

Assim sendo, repito: se aproxima o fim do monopólio do livro, sim, mas isso não irá terminar com a literatura, quiçá areje seu estudo e amplie seus horizontes, trazendo mais leitores para a milenar Biblioteca de Babel que é a história da literatura.

 

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